Entrevista #142 MC GABZ

PT

Depois de muitos anos de interregno, voltei à Festa do Avante em Setembro de 2024.

Para além de algumas descobertas musicais, a noite de sábado teve mais uma aliciante: uma comitiva dos Gigantes à Margem "batalhou" com alguns MC's da Voz da Rua.

Como um César, numa investida aos territórios do Sul , MC Gabz veio, viu e venceu.

Impressionado com o seu flow e as suas rimas acutilantes, convidei-o, de imediato, para uma entrevista.

Fotografias / Photos: themaddoglife (1), rodadafoz (3)

Natural do Pombal, a música está-lhe nos genes.

Dos seus planos faz parte marcar presença na Red Bull Francamente deste ano. Não tenho dúvidas de que o conseguirá.

Fotografia / Photo: andreiamaia_photo

Depois de alguns percalços, aqui têm a sua entrevista.

Fiquem a conhecê-lo um pouco melhor.

Antes de mais, fala-nos um pouco sobre ti.

Tenho 22 anos, sou filho, sobrinho, primo, neto e bisneto de músicos. No meio em que cresci, foi praticamente inevitável eu seguir o mesmo caminho, está-me no sangue.

Comecei uma licenciatura em jornalismo que acabei por congelar, emigrei, fui consultor imobiliário e caixa de supermercado até deixar de ignorar a minha vocação e dedicar-me 100% à música. Em outubro, entrei num curso de produção de hip hop na ETIC. No tempo que me resta, improviso e participo de rodas de freestyle.

No fundo, sou mais um jovem aspirante que ama música e sonha poder viver dela. 

Quando começou o teu interesse pela cultura do Hip Hop e pelo freestyle?

Quando era criança, ouvia o meu pai a fazer “desgarradas” acompanhado de uma concertina, o que, se pararmos para pensar, não foge muito à estrutura de uma batalha de freestyle. Fascinava-me imenso o conceito de rimar instantaneamente com base no que o “adversário” rimava. Lembro-me de, nessa altura, fazer exercícios mentais, pensando “o que responderia se fosse eu?”, chegando a praticar algumas vezes. Sem perder esse bichinho, quando fiz 15/16 anos, comecei a contactar mais com o hip hop tuga e comecei a improvisar em beats de boom bap. Os meus amigos, para os quais rimava, reconheceram-me capacidades acima da média e incentivaram-me, desde cedo, a partilhar os meus improvisos na internet e com mais pessoas, pois julgavam ter qualidade para almejar algo mais. Não lhes dava ouvidos e continuava simplesmente a rimar por amor, sendo, desde essa altura, a atividade que me dá mais prazer. Os anos passaram e o meu freestyle foi evoluindo, mas sempre num círculo fechado. Quando surgiram rodas de batalhas de rima, não descansaram enquanto eu não me inscrevesse, sempre me apoiaram muito e queriam muito que eu participasse, pois acreditavam que poderia ser um dos melhores. Demorei algum tempo, fui plateia durante meses, até finalmente ganhar coragem. Hoje agradeço tamanha insistência, foi uma das melhores decisões da minha vida.

Passaste por mais alguma vertente do Hip Hop?

Não. Sou uma nódoa a dançar, já tentei imensas vezes mas não tenho jeitinho nenhum. Grafitti é fascinante, mas grafitar não é para mim. Dj estou a dar os meus primeiros passos agora no curso, mas sem dúvida que a poesia, em todas as suas formas, é o elemento que mais me prende e que quero levar comigo para a vida toda. 

Pertences a alguma crew?

Não. Mas quem sabe 2025 traga a criação de uma. Já falei disso com quem anda comigo diariamente e está claramente em cima da mesa.

Fotografia / Photo: andreiamaia_photo

Como descreves o teu freestyle numa única palavra?

Refúgio.

De Norte a Sul, em quantas rodas diferentes já participaste? Qual te deu mais pica?

Já participei em 17 batalhas diferentes. É difícil escolher uma, vou dizer 3: Roda Universo, Clandestina e Gigantes à Margem.

Fotografia / Photo: vozdarualeiria

Como classificas o nível do freestyle em Portugal? O que pode melhorar?

A cada mês que passa, sinto que vai evoluindo substancialmente e acredito que, hoje, está no seu nível mais alto de sempre. Acho que para darmos um step up e nos podermos equiparar com os States, Brasil ou Espanha, teria de haver uma injeção por parte de investidores para elevar as condições para os mc’s, organizadores e plateia, a ponto de começarmos a ter um movimento com uma maior projeção e qualidade (sistema de som, iluminação, infraestruturas, etc), de modo a tornar isto em algo mais apelativo ao público. Acompanhado de remuneração aos mc’s, para que estes deixem de suportar os custos e ainda possam retirar um rendimento extra das batalhas. Fortificando estes 2 pontos, certamente teríamos mais mc’s que, por inerência, aumentaria a competitividade e consequentemente o nível de rima. 

Quais achas que são os teus pontos fortes?

Capacidade de desconstrução, criatividade e técnica (flow e métrica).

Fotografias / Photos: jpmsilvano

Onde vais buscar as inspirações para as tuas barras?

Como referi anteriormente, desconstrução é um dos meus pontos fortes, acabando por atacar / responder com base no que me é dado pelo adversário na hora. Não imprimo muitas referências em batalhas por iniciativa própria e não considero espelhar-me em alguém. 

Como treinas o teu flow?

Honestamente, creio que o meu flow sempre foi intuitivo. Sempre consegui ter uma noção de tempos e métricas acima da média e consigo surfar facilmente em qualquer beat.

O meu treino consiste em reunir com os meus amigos quando posso e batalhar com eles.

Fotografia / Photo: andreiamaia_photo

Qual é o teu top 3 de MC's portugueses?

SP Rocha, Melro e SanJ.

E de MC's estrangeiros?

Acompanho maioritariamente o Brasil relativamente aos restantes movimentos espalhados pelo mundo e, para mim, Big Mike, Jotape e Neo. Lá o nível é tão mais elevado que custa deixar nomes como Prado, Guri, entre outros, de fora de um top 3.

Que filme, livro ou disco recomendas para alguém ficar a conhecer um pouco melhor a cultura do freestyle?  

Não querendo ser cliché, 8 Mile. É, sem dúvida, obrigatório e uma introdução para quem quer conhecer melhor a cultura.

Quais são os teus planos / projetos futuros?

Este ano pretendo afirmar-me como um dos grandes nomes do freestyle português. Comecei em 2024, conquistei bem mais do que o expectável, mas, acima de tudo, limei arestas ao máximo a ponto de entrar em 2025 com os 2 pés na porta e com a ambição de batalhar o máximo de vezes que puder, nas mais variadas rodas espalhadas pelo país. Quero apresentar um rendimento constante em termos qualitativos, ser melhor que ontem e pior que amanhã. E, claro, marcar presença na final nacional da Red Bull Francamente 2025.

Estou também a concluir o curso e pretendo lançar o meu primeiro single.

O resto deixo nas mãos do destino, o que tiver de ser, será.

Tens alguma história engraçada ou beef que queiras partilhar?

Sou uma pessoa pacífica por natureza e não alimento beefs.

A história mais engraçada que tenho foi a criação do meu nome artístico: Gabz. Surgiu na minha primeira batalha de sempre, na Voz da Rua de Leiria. Os organizadores perguntaram-me qual era o meu nome de MC. Eu não tinha pensado em nenhum e respondi “Gaby MC”. A barreira linguística fez com que eles tenham ouvido “Gabz”, escrevendo assim o meu nome na chave da batalha. Quando me deparei com o engano, ri e pensei “vou adotar” e ficou até hoje.

Final shout outs?

Um shout out enorme a quem organiza batalhas e torna tudo isto possível. Sem eles este movimento não existia da maneira que o conhecemos. Num lado mais pessoal, shout out ao meu irmão Peze que me impulsionou bastante (na pior fase da minha vida) a entrar neste mundo. Shout out à Voz da Rua, minha primeira casa. Shout out ao Marquetxe e ao Neguin que me acompanham diariamente e contribuem em todos os aspetos para a minha evolução artística e pessoal. Shout out às boas amizades que este meio me trouxe! Shout out à minha família e amigos que acreditam que vou viver da música. E shout out a ti pela oportunidade e pelo que fazes em prol da cultura.

Fotografias / Photos: andreiamaia_photo

ENG

After many years of hiatus, I returned to the Festa do Avante in September 2024. In addition to some musical discoveries, Saturday night had another exciting event: a group from Gigantes à Margem "battled" with some MCs from Voz da Rua. Like Caesar, on a foray into the southern territories, MC Gabz came, saw and conquered. Impressed by his flow and his sharp rhymes, I immediately invited him for an interview. A native of Pombal, music is in his genes. One of his plans is to be present at this year's Red Bull Francamente. I have no doubt that he will succeed. After a few setbacks, here is his interview. Get to know him a little better.

First of all, tell us a bit about yourself.

I'm 22 years old, I'm son, nephew, cousin, grandson and great-grandson of musicians. In the environment in which I grew up, it was practically inevitable that I would follow the same path, it's in my blood.

I started a degree in journalism which I ended up freezing, I emigrated, I was a real estate consultant and a supermarket cashier until I stopped ignoring my vocation and dedicated myself 100% to music. In October, I started a hip hop production course at ETIC. In the time I have left, I improvise and take part in freestyle circles.

Basically, I'm just another young aspirant who loves music and dreams of making a living from it.

When did your interest in Hip Hop culture and freestyle begin?

When I was a kid, I used to listen to my dad doing “desgarradas” accompanied by a concertina, which, if you think about it, isn't very different from the structure of a freestyle battle. I was really fascinated by the concept of instantly rhyming based on what the “opponent” was rhyming. I remember doing mental exercises at the time, thinking “what would you say if you were me?” and practicing it a few times. Without losing that bug, when I turned 15/16, I began to have more contact with Tuga hip hop and started improvising on boom bap beats. My friends, for whom I rhymed, recognized my above-average skills and encouraged me, from an early age, to share my improvisations on the internet and with more people, because they thought I had the quality to aim for something more. I didn't listen to them and just carried on rhyming for love, and since then it's been the activity that gives me the most pleasure. The years passed and my freestyle evolved, but always in a closed circle. When rhyme battles came up, they didn't rest until I signed up, they were always very supportive and wanted me to take part because they believed I could be one of the best. It took me a while, I was an audience for months, until I finally plucked up the courage. Today I'm grateful for that insistence, it was one of the best decisions of my life.

Did you go into any other branch of Hip Hop?

No. I'm rubbish at dancing, I've tried lots of times but I'm just not good at it. Graffiti is fascinating, but graffiti isn't for me. I'm taking my first steps as a DJ, but without a doubt poetry, in all its forms, is the element that most captivates me and that I want to take with me for life.

Do you belong to a crew?

No. But maybe 2025 will bring the creation of one. I've already talked about it with those who work with me on a daily basis and it's clearly on the table.

How would you describe your freestyle in one word?

Refuge.

From North to South, how many different wheels have you been on? Which one gave you the most thrills?

I've taken part in 17 different battles. It's hard to choose one, but I'll name three: Roda Universo, Clandestina and Gigantes à Margem.

How do you rate the level of freestyle in Portugal? What could improve?

With each passing month, I feel that it's evolving substantially and I believe that today it's at its highest level ever. I think that in order for us to take a step up and be on a par with the States, Brazil or Spain, there would have to be an injection from investors to raise the conditions for the mc's, organizers and audience, to the point where we start to have a movement with greater projection and quality (sound system, lighting, infrastructure, etc.), in order to make this something more appealing to the public. Accompanied by remuneration for the mc's, so that they no longer have to bear the costs and can still make an extra income from the battles. By strengthening these 2 points, we would certainly have more mc's, which would inherently increase competitiveness and consequently the level of rhyming.

What do you think your strengths are?

Deconstruction skills, creativity and technique (flow and metrics).

Where do you get the inspiration for your bars?

As I mentioned earlier, deconstruction is one of my strengths, and I end up attacking/responding based on what my opponent gives me at the time. I don't print many references in battles on my own initiative and I don't consider mirroring anyone.

How do you train your flow?

Honestly, I think my flow has always been intuitive. I've always had an above-average sense of timing and metrics and I can easily surf any beat.

My training consists of getting together with my friends when I can and battling with them.

What's your top 3 Portuguese MCs?

SP Rocha, Melro and SanJ.

What about foreign MCs?

I mostly follow Brazil compared to the rest of the movements around the world and, for me, Big Mike, Jotape and Neo. The level is so much higher there that it's hard to leave names like Prado, Guri and others out of a top 3.

What movie, book or record would you recommend for someone to get to know freestyle culture a little better?

Not to be cliché, 8 Mile. It's definitely a must-see and an introduction for anyone who wants to get to know the culture better.

What are your future plans / projects?

This year I want to establish myself as one of the big names in Portuguese freestyle. I started in 2024, I've achieved a lot more than I expected, but above all I've cut corners to the point where I can enter 2025 with two feet in the door and with the ambition to battle as many times as I can, in the most varied circles throughout the country. I want to perform consistently in terms of quality, to be better than yesterday and worse than tomorrow. And, of course, to be present at the national final of Red Bull Francamente 2025.

I'm also finishing my degree and plan to release my first single.

The rest I leave in the hands of fate, whatever has to be, will be.

Do you have any funny stories or beefs you'd like to share?

I'm a peaceful person by nature and I don't feed beefs.

The funniest story I have was the creation of my stage name: Gabz. It came about during my first ever battle, at Voz da Rua in Leiria. The organizers asked me what my MC name was. I hadn't thought of one and replied “Gaby MC”. The language barrier meant that they heard “Gabz”, thus writing my name on the battle key. When I realized the mistake, I laughed and thought “I'll adopt it” and it's stayed with me to this day.

Final shout outs?

A huge shout out to those who organize battles and make it all possible. Without them this movement wouldn't exist as we know it. On a more personal note, shout out to my brother Peze who really pushed me (in the worst phase of my life) to enter this world. Shout out to Voz da Rua, my first home. Shout out to Marquetxe and Neguin who accompany me on a daily basis and contribute in every way to my artistic and personal development. Shout out to the good friendships this medium has brought me! Shout out to my family and friends who believe that I will make a living from music. And shout out to you for the opportunity and for what you do for culture.